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Up Enfoque – Série Raros – Dr. Roberto Giugliani

Um bate-papo com o Dr. Roberto Giugliani, que compartilhou toda sua experiência com diagnósticos de doenças raras no Brasil com a nossa equipe

Neste episódio do Up Enfoque conversamos com o Dr. Roberto Giugliani, médico geneticista. A conversa durou 30 minutos com nosso Head de Negócios e doutor em genética, Bruno Gamba. 

Durante nossa conversa identificamos a importância dos diagnósticos genéticos, e realizamos uma reflexão sobre as mudanças necessárias que devem ser feitas para melhorar o acesso a tratamentos de doenças raras no Brasil. Veja um resumo do bate-papo que relatamos aqui, o vídeo completo no nosso canal do Youtube ou o áudio no nosso Podcast do Spotify. 

Cobertura completa em nosso canal do Youtube e áudio completo no Spotify.

Dr. Roberto: É um prazer ser convidado para conversarmos sobre um assunto tão importante como esse, pois só no Brasil somos cerca de 13 milhões de brasileiros com doenças raras. Esse número é grande porque apesar de terem poucas pessoas com cada uma das doenças raras, elas são muitas, cerca de 6000 a 9000 diferentes doenças, então somando estes indivíduos nós temos um número significativo e um grupo que merece atenção do poder público, da sociedade como um todo. 

Bruno: Passou aqui pelo Up Enfoque uma outra colega, a Dra. Thais, e ela pontuou a dificuldade do diagnóstico clínico e genético quando a doença é de base genética. Mas acredito que o diagnóstico é o início para se pensar num tratamento, então nessa jornada do paciente, o que o senhor pode destacar deste percurso total? 

Dr. Roberto: A maioria das doenças raras são genéticas, cerca de 70 a 80%, isso significa que o indivíduo já nasce com essa condição, muitas vezes ela não se manifesta clinicamente tão cedo, mas geralmente se manifesta na infância. Mas mesmo assim o diagnóstico demora muitos anos, se chamando de a “Odisséia Diagnóstica”, que é o caminho que o paciente percorre de médico em médico até conseguir um diagnóstico final. Nós fizemos um trabalho com a doença chamada mucopolissacaridose e verificamos que desde que começam os sintomas até o diagnóstico, leva em média 5 anos. Como muitas dessas doenças são tratáveis, é lamentável toda essa demora, pois é um tempo precioso que se perde na tentativa de melhorar a qualidade de vida dos pacientes, então precisamos diminuir o tempo até o diagnóstico, aí existem várias estratégias que podem ser utilizadas para isso. Nem todas as doenças são tratáveis, na verdade uma minoria possui um tratamento específico, mas todas elas tem algo que podemos fazer para melhorar a qualidade de vida do paciente. 

Bruno: E na perspectiva de tratamento, o diagnóstico é a porta de entrada?

Dr. Roberto: O diagnóstico é fundamental mesmo que a doença não tenha tratamento específico, isso representa muitas vezes um alívio enorme para a família saber o que é a doença, e também para podermos orientar o paciente da forma correta, e quando tiver um tratamento específico podemos introduzi-lo. Nem sempre o acesso ao tratamento é fácil, pois mesmo os aprovados pela ANVISA, as vezes não são de fácil administração ao paciente, pois ele precisa ser incorporado no SUS e isso às vezes demora mais um tempo, às vezes essa incorporação não foi efetivada ainda e a família decide entrar numa via judicial pois são terapias no geral de alto custo. Como são poucos pacientes no geral com as doenças raras, se desenvolve uma terapia de alto custo, pois o custo de desenvolvimento de uma doença comum para uma doença rara, ele é muito parecido mas na doença comum o custo é diluído em milhões dos pacientes, e na doença rara as vezes são 5, 10, 15 pacientes beneficiados, então o custo deve ser dividido nesse número, aumentando o custo de tratamento. 

Bruno: Fazendo um paralelo, um tratamento para uma doença rara acaba sendo personalizado e aí associa-se ao alto custo, e o acesso a esse tratamento, qual a jornada de um paciente até ele de fato conseguir o medicamento? 

Dr. Roberto: Quando o paciente tem o diagnóstico e essa doença tem uma terapia específica, o médico vai prescrever o tratamento. Se o tratamento já está incorporado no SUS, por exemplo mucopolissacaridose tipo 2, é uma doença que o tratamento é uma enzima que substitui a enzima faltante no indivíduo, ela administrada 1 vez por semana, é incorporada no SUS, se o paciente preencher alguns requisitos para receber o tratamento, está resolvido. Agora tem outras doenças, como por exemplo doença de Fabry, é a mesma situação da doença do exemplo anterior, mas por mais que a medicação esteja aprovada na ANVISA ela não está incorporada no SUS, então o paciente não tem acesso a esse tratamento, e a única alternativa é tentar uma via judicial, ele pode conseguir ou não, mas é sempre uma via muito mais difícil e não está ligada a protocolos específicos que podemos controlar, o fornecimento não é regular, então sempre tentamos evitar essa via. Os pacientes com doenças raras também têm que ter acesso ao tratamento assim como pacientes com doenças comuns, mesmo sendo terapias caras, a sociedade deve fazer uma maior discussão de como lidar com esse problema, não podemos fazer de conta que esse problema não existe. 

Bruno: Os tipos de tratamento, o senhor comentou um, mas quais são dos demais tipos de tratamentos disponíveis para doenças raras e o Brasil neste cenário importa tecnologia, desenvolve, qual a situação no desenvolvimento deste medicamento ou forma terapêutica?

Dr. Roberto: Como existem muitas doenças raras, existem muitas estratégias para manejá-las. Uma que mencionei é a terapia de reposição enzimática, que é quando falta uma enzima no organismo e essa enzima pode ser produzida em laboratório, aí ela é administrada ao paciente, para que ele consiga manter um certo nível daquela enzima que está deficiente. 

Outras estratégias se baseiam em usar uma pílula que vai aumentar uma substância faltante ou diminuir uma substância em excesso. 

E tem a mais recentemente a terapia gênica, que a gente vai colocar no paciente uma cópia normal do gene que ele tem uma mutação e não funciona bem, geralmente a transferência é feita com ajuda de um vírus, essa é a terapia mais moderna e que provavelmente vai ser a dominante nos próximos anos.

Como está o Brasil nesta história? O Brasil tem alguns tipos de terapias que dominamos completamente, por exemplo transplante de medula óssea, mas na produção de medicamentos de terapia de reposição enzimática e terapia gênica, somos basicamente importadores. O Brasil precisa olhar de frente para essa questão e desenvolver capacidade para produzir estes tratamento e inclusive tratamentos de doenças que não tem nada disponível, precisamos investir nisso como um país, como sociedade, para não ficarmos eternamente importando esses medicamentos com custo altíssimo. 

Bruno: Podemos fazer juntar este assunto com o desenvolvimento de ciências básicas. Acho que esse é um paralelo que faz parte da nossa realidade, o senhor enxerga o desenvolvimento da ciência básica com que otimismo no cenário atual?

Dr. Roberto: Eu vejo com muita preocupação a questão da ciência básica no Brasil. O Brasil nos últimos anos regrediu no investimento da ciência e isso é muito preocupante porque o investimento em ciência tem que ser visto a longo prazo, e o que temos visto nos últimos anos é uma diminuição no investimento e uma fuga dos nossos cérebros para o interior. Precisamos reverter isso com grande urgência, e voltar a investir em ciência pensando no nosso futuro. 

Bruno: Uma outra etapa que é fundamental na hora de desenvolver um novo tratamento, são os testes clínicos. Os brasileiros têm participado destes testes? Como está essa perspectiva?

Dr. Roberto: A nossa situação melhorou bastante nos últimos anos, porque tanto a ANVISA quanto a CONEP, fizeram avanços consideráveis nas suas normas no sentido de facilitar o desenvolvimentos destes testes quando se trata de uma doença rara. A ANVISA tem mecanismos que facilitam para doenças raras, a CONEP introduziu algumas modificações que quando a doença é rara tem um tratamento diferenciado, então isso atraiu mais testes de medicamentos no país. O Brasil é bastante atrativo para esses testes clínicos por ter uma população grande. 

Bruno: Nesta abordagem, os parlamentares e congresso existe otimismo e mobilização?

Dr. Roberto: Acho que existe uma boa sensibilidade dos parlamentares e autoridades de saúde em relação às doenças raras, e para isso é fundamental a mobilização de pacientes que levam a questão diretamente a esses parlamentares, mas a questão é que precisamos colocar mais recursos no sistema, ai vai além da decisão dos parlamentares, pois é preciso uma decisão de governo para ter mais recursos nessa área de pesquisa e inovação. Se queremos a longo prazo ter uma estrutura competitiva no mercado, precisamos mudar isso. 

Bruno: E um paralelo com o internacional, usando os EUA que talvez seja o maior desenvolvedor deste tipo de abordagem, qual a grande diferença?

Dr. Roberto: A grande diferença é a questão da política de estado que essencialmente se mantém, independente do governo, aí as coisas vão acontecendo melhor. Isso também acontece na maioria dos países da Europa, pude ver isso na Alemanha em um período de 6 meses. Políticas que se mantém num longo prazo, apesar de mudanças eventuais, e é isso que precisamos: políticas de estado e a longo prazo. Quem sabe numa próxima geração isso já esteja melhor…

Bruno: Colocando em discussão a parte ambulatorial, a genética é desconhecida pela comunidade médica como um todo, é dificultoso o diagnóstico, mas eu ouvi recentemente em um podcast que a sociedade brasileira de genética médica (SBGM) está junto com as demais instituições tentando entregar conteúdo, informação e conscientização, ensinando a comunidade médica mais próxima das doenças raras, e é até uma “crítica” que a presidente da SBGM que é referente a não ter um ambulatório de genética médica na graduação de medicina. Você enxerga que esse fato é o caminho pro diagnóstico e para o desenvolver de doenças raras no brasil ganhar mais assistência, ou o senhor acha que deve ser outra coisa ou vai além disso?

Dr. Roberto: Acho que as doenças rara tem que ser melhor contempladas nos cursos médicos, não adianta estudar cada uma das 7000 doenças raras, mas um estudante de medicina tem que aprender a lidar com doenças raras, como ligar os diferentes pontos, como obter uma história familiar, como investigar um caso de possível doença rara, isso é importante e deveria ter mais espaço dentro do curso médico, a SBGM tem toda razão.

Bruno: Já caminhando para um final eu gostaria de ouvir do senhor, tem algo que você gostaria de acrescentar?

Dr. Roberto: Acho que é fundamental que tenhamos serviços de referência que possam ser acessíveis quando um médico precisa encaminhar um paciente de doenças raras. Hoje temos alguns serviços de referência de doenças raras no Brasil, menos de 20 em um país que tem 27 estados e mais de 200.000.000 de habitantes, e que demora muito o atendimento, no Rio Grande do Sul temos uma fila de espera de mais de 3.000 pacientes para marcar consulta, então é um sistema que precisa ser revisado e otimizado. É importante que tenhamos esses serviços de referência que irão concentrar equipes especializadas para chegar em um diagnóstico de maneira mais precisa. Precisamos trilhar e expandir esse sistema para que eles fiquem interligados entre si para que todos se ajudem mutuamente, e dêem uma assistência mais qualificada. 

Acho que também é importante que associações e iniciativas da rede pública e privada existam para que possam ajudar nesse processo, como a “Casa dos Raros“, que vem com o objetivo de auxiliar em avaliações de pacientes, no treinamento de novos profissionais, entre outros. Precisamos somar os serviços de referências formais com centros paralelos que possam agregar nesse processo de diagnóstico e tratamento de pacientes com doenças raras. Temos um grupo muito qualificado de geneticistas, então isso pode ser trabalhado e conectado. É um desafio mas vale a pena enfrentar.

O bate-papo com o Dr. Roberto nos trouxe uma nova perspectiva sobre o acesso ao diagnóstico e tratamento de doenças raras no Brasil, e esta foi a mensagem final sobre sua maior motivação de carreira durante o nosso bate-papo:

“Ao longo da minha vida não mudei muito em termos de interesses, durante a medicina eu trabalhava com o professor do departamento de bioquímica com doenças raras com atuações em enzimas e muitos casos que não tinham diagnóstico nos vamos atrás desse diagnóstico, então me lembro de visitar famílias no interior do estado examinando a todos e tentando chegar e um diagnóstico. Naquela época tínhamos uma capacidade limitada de tratamento, mas alguns conseguimos fazer e hoje em dia temos métodos mais sofisticados, mas basicamente o que me atraia naquela época era ajudar as famílias a descobrir o nome da doença e trazer um benefício para melhorar a qualidade de vida do paciente e da família que está ao redor. Isso sempre me motivou e continua me motivando, mudaram as circunstâncias mas a verdade é algo que muito desafiador, e todo mundo que esteja engajado nessa luta tem muita energia para enfrentar essa busca é sempre ter uma satisfação relacionado com o poder de ajudar uma família a chegar num diagnóstico e quem sabe a um tratamento.” 

Agradecemos muito ao Dr. Roberto Giugliani pelo tempo e por compartilhar conosco toda sua experiência na área de diagnósticos e tratamentos de doenças raras.

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