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Up Enfoque – Série Raros – Dra. Michelle Detoni

Um bate-papo com a Dra. Michelle Detoni, que compartilhou toda sua experiência como portadora de uma doença rara e sua trajetória em ajudar a simplificar termos diagnósticos para famílias de portadores com a nossa equipe

Neste episódio do UpEnfoque conversamos com a Dra. Michelle Detoni, bióloga, doutora em genética e biotecnologia, portadora de paraparesia espástica hereditária. A dra. conversou conosco sobre a vivência de um portador de doença rara. A conversa durou 40 minutos com nosso Head de Negócios e doutor em genética, Bruno Gamba. 

Durante nossa conversa, identificamos a importância de se ajudar portadores e familiares a entender de forma mais simples termos de diagnósticos dados pelos médicos, e realizamos uma reflexão sobre a importância de ressignificar o significado de vida após um diagnóstico de doença rara. Veja um resumo do bate-papo que relatamos aqui, o vídeo completo no nosso canal do Youtube ou o áudio no nosso Podcast do Spotify. 

Cobertura completa em nosso canal do Youtube e áudio completo no Spotify.

Dra. Michelle: Agradeço o espaço para poder compartilhar com vocês sobre a vida, sobre o cotidiano, sobre o que pode passar uma pessoa portadora de doença rara. As doenças raras são muito variáveis, podendo se parecer com doenças comuns ou também serem muito diferentes, de qualquer forma isso é só para dizer que a vida de um raro também pode variar muito. Existem pessoas que possuem uma doença rara porém a doença não atrapalha em nada, ela consegue fazer um tratamento e exercer uma profissão, e tem outras pessoas que tem a vida modificada por sintomas que impedem a execução de atividades profissionais ou por fazer uma série de tratamentos de fisioterapias e por isso o tempo é limitado. 

Como eu disse, as doenças raras variam, então existem aquelas doenças que surgem assim que a pessoa nasce, então são congênitas, e outras que vão aparecer ao longo da vida. Eu até os 32 anos era considerada uma pessoa normal, sem doença rara, e eu sempre sonhei em trabalhar com pesquisa para ajudar pessoas com a cura de alguma doença. Até que um certo dia eu fui correr atrás de um ônibus, como já havia feito em outras inúmeras vezes, eu senti como se tivesse em cima de 2 pernas de pau, aí comecei a me questionar o que estava acontecendo, mas como já havia um histórico de doença neurológica na minha família, vi logo que se tratava de um sintoma desta doença que estava começando a surgir. Eu comecei a desenvolver estes sintomas que são progressivos, no início eu andava normalmente mas sentia uma pequena dificuldade de andar distâncias grandes, mas hoje em dia acima de 500 metros eu já sinto muita fadiga e dor, então a doença rara também pode ser progressiva. Então podemos ter essa variação, podemos ir piorando com o tempo ou permanecer no mesmo padrão. Eu sou portadora de paraparesia espástica hereditária, essa doença leva um acometimento parcial de força nas pernas, minha perna também fica rígida, e é uma doença hereditária porque foi herdada da família da minha mãe; essa doença afeta principalmente as pernas, porque ocorre a morte de um neurônio que leva o impulso do cérebro para a coluna e depois manda o comando para as pernas, este neurônio morre aos poucos e aí vou perdendo a capacidade de força das minhas pernas.

Quando apareceu esse diagnóstico para mim, como qualquer outra pessoa com doença rara nós ficamos loucos, porque geralmente o paciente demora para receber o diagnóstico e quando ele chega vem um nome bem difícil associado a ela, e aí ficamos imersos em um novo mundo cheio de novos termos médicos, e por mais que eu tivesse  doutorado na área de genética, não conhecia a doença rara. Então a primeira coisa que você sente é um luto violento, porque o médico ao falar que você tem uma doença rara, parece que você é o único no mundo que tem isso e que você nunca vai achar ninguém assim como você, depois ele fala para você que não tem cura pois apenas 5% tem cura, então você passa a achar que sua vida acabou. Quando entramos nesse luto acabamos nos sentindo um pouco inútil por sentir dor e não conseguir fazer atividades que antes você realizava normalmente, e isso me abalou muito, principalmente quando os sintomas começaram a progredir e limitar minhas atividades diárias. Me questionei durante muito tempo se eu seria capaz de fazer um concurso público, se eu conseguiria trabalhar com pesquisa, até eu vi que não iria conseguir, porque sabemos que só para nos deslocar nós cansamos muito, então comecei a encarar uma nova realidade e isso doía. Nesse momento que eu estava de luto, percebi que seria muito importante eu me interessar com algo que faria sentido para mim, e para mim sempre foi ajudando as pessoas, então comecei participando de um grupo onde conheci muitas pessoas que possuíam a mesma doença que eu tinha, isso me mostrou que todo raro não é único, você vai achar outras pessoas que passam pela mesma experiência que você!

A partir daí, fundamos uma associação chamada ASPER Brasil que é a Associação de Paraparesia Espástica Hereditária do Brasil, e nós começamos a perceber que as pessoas tinham muitas dúvidas em termos científicos, e isso me fez utilizar dos conhecimentos que eu tinha adquirido, isso me fez até respirar. Até que certo dia, fui fazer um curso focado em ONGs, e conheci uma pessoa chamada Marília Castelo Branco, que estava ministrando o curso e ao conversar com ela e contar sobre minha experiência que estava vivendo, ela me contou sobre um trabalho que ela fazia que é dar suporte às famílias que tem a trissomia do cromossomo 18, que acomete crianças e são portadoras de uma síndrome chamada de “Síndrome de Edwards” e é bastante severa, essas crianças lutam até para convencer os médicos que elas têm direito de viver. Quando ela me contou sobre isso, não entendi muito bem sobre o porque elas lutavam até pelo direito da vida, então Marília foi me explicar sobre o que aquilo significava, e foi nesse momento que eu resignifiquei a minha vida e passei a ver que ao invés de sofrer com o que eu tenho, eu deveria observar tudo o que eu poderia fazer que me era permitido. Marília também me contou que no Canadá existe uma profissão em que o médico dá o diagnóstico e existe uma pessoa para traduzir isso para a família de uma maneira que eles possam entender mais fácil, foi aí que percebi que isso já era algo que eu estava fazendo, então criei um projeto. Esse projeto chamado “Ciência Rara” começou com uma página no Facebook, onde existem dois personagens, geralmente é a Michelle e mais um, conversando sobre algum termo científico ou conversando sobre uma doença rara de uma maneira mais acessível. Então eu acredito que se vocês me perguntarem o que é uma doença rara para mim, ela é um resignificar da vida. Se vocês quiserem podem adicionar a página para saber mais sobre. 

Bruno: Michelle, eu gostaria que você compartilhasse com a gente quão demorado para você ter um diagnóstico? 

Dra. Michelle: No meu caso este diagnóstico veio de maneira rápida porque a minha mãe e meu primo já tinham o diagnóstico, então o meu foi apenas uma confirmação por ser hereditário. Mas o diagnóstico da minha mãe e do meu primo demoraram bastante, como o de muitos pacientes com doenças raras. A minha mãe passou por uma sequência de médicos, ortopedistas, neuros, até que um deles viu que ela tinha uma hérnia de disco e disse que ela não andava direito por conta disso então ela teria que fazer uma cirurgia para ficar bem, isso foi por volta dos 50 anos dela e ela já tinha 6 anos de progressão da doença. O meu primo teve os sintomas começando em torno dos 13/15 anos, também passou por vários médicos, até que um ortopedista constatou que ele tinha uma perna de tamanho diferente da outra. Então na minha família passou por vários profissionais, que deram vários diagnósticos até que meu primo conseguiu uma vaga no SARAH no Rio de Janeiro, e lá um equipe mais especializada nestes casos mais raros, um neurologista chegou com uma suspeita diagnóstica, pois para uma doença genética ser confirmada ela precisa de um sequenciamento para saber que pedacinho do seu DNA está diferente e pode estar causando esta doença. 

Eu tive a oportunidade de passar no ambulatório de doenças neuromusculares da UNIFESP, onde temos profissionais excelentes e médicos que são especialistas nestas doenças e eles também confirmaram o meu diagnóstico.

Bruno: Você também mencionou que uma pessoa portadora de doença rara nunca está só, e o Instituto Vidas Raras auxiliou para juntar vocês?

Dra. Michelle: Eu entrei em contato primeiramente com as pessoas que têm a mesma doença que eu e aí fundamos a ASPER Brasil, aí depois encontrei a Marília que é da Associação Síndrome do Amor, e aí então eu conheci o Instituto Vidas Raras. 

O Instituto Vidas Raras dá um direcionamento inclusivo para as associações que estão iniciando. Então além deles darem um direcionamento às famílias que possuem doenças raras, eles também dão suporte às associações para ajuda mútua. Ano retrasado a Roseli me chamou e perguntou se nós gostaríamos de ter nossas matérias nos sites deles, então eu passei a ter uma coluna junto ao Instituto Vidas Raras onde vou colocando aos poucos meus conteúdos para disponibilizar a mais pessoas informações

Bruno: Você tem uma motivação que é fazer essa “tradução” dos termos clínicos mais técnicos às famílias que não têm essa formação. Então conte-me mais sobre o Ciências Raras.

Dra. Michelle: Dessa parceira com o Vidas Raras, nós temos também a Aliança Rara que é onde temos uma união de associações e grupos de apoio e vamos nos ajudando mutuamente. Então quando eles falam que precisam de algum material sobre determinado assunto, eu leio, pesquiso, estudo e eu sempre gostei de estudar, e eu faço tudo isso para tentar trazer isso de uma maneira mais acessível, pois a pessoas falam muito de acessibilidade mas precisamos parar para pensar que essa acessibilidade não deve ser apenas física, ela deve ser na comunicação pois muitas vezes saímos de um consultório com mais dúvidas do que quando entramos, então a acessibilidade comunicativa facilita a compreensão do tratamento. E quando falamos em tratamento, na maioria das vezes ele vai trazer melhora de vida daquele paciente, por exemplo, o meu tratamento é o Ciência Rara pois depois que comecei com isso a minha depressão foi embora, porque eu me sinto útil em ajudar as pessoas, então cada qual vai ter que ir procurando seu tratamento, é claro que existem as terapias medicamentosas, mas sempre temos que procurar nossa válvula de escape. 

E que tipo de ciência eu falo? Eu falo de termos que estão relacionados diretamente a famílias com doenças raras. Por exemplo, às vezes um médico fala que sua doença é hereditária, o que isso quer dizer? Às vezes um médico fala que teve uma mutação no seu DNA, o que é isso? Então, vamos começar a entender um pouquinho o universo que estamos, e entender que nada é aquele bicho de 10 cabeças, são apenas termos que podem ser colocados de uma forma mais fácil de se entender.

Bruno: E o que você falaria para outras pessoas que estão em busca de um diagnóstico, ou em um momento de luto, ou que já estão em uma fase assim como você?

Dra. Michelle: Nós temos que ser gratos, e independente se temos um diagnóstico ou não, pois ele é um nome, com ele podemos ter uma melhora na qualidade de vida mesmo que não tenha cura, mas isso não quer dizer que você precisa marcar uma data de velório, não é isso. Minha vida não é mil maravilhas, eu sinto dor, nao fixo mais de 1 hora sentada que já sinto dor e preciso me esticar, mas o que precisamos fazer é nos adaptar,a  vida existe e é um fato, os sintomas também são um fato, então temos que mudar a nossa maneira de olhar as coisas, o que as crianças com cromossomo 18 me mostraram lá atrás que eles querem apenas o direito de receber oxigênio e respirar, e isso a gente pode, que seja com ajuda de um oxigênio, balão ou normal, mas estamos respirando, nós temos vida,e  enquanto temos isso vamos viver bem. Vamos fazer algo que te faça sentir bem e útil, como tomar conta de pessoas, brincar com um cachorro, fazer tricô, qualquer coisa, pois a vida está aí cheia de surpresas boas, outras não tão boas, mas que tenhamos os olhos para enxergar a melhor maneira de viver tudo isso! 

Agradecemos muito a Dra. Michelle Detoni pelo tempo e por compartilhar conosco toda sua experiência de vida como portadora de doença rara, e servir de inspiração para nós, demonstrando seu lindo trabalho auxiliando a outras famílias e portadores a entender de maneira mais simplificada sobre suas doenças.

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